3.27 A perseverança dos santos (permanecer cristão)


Pode o verdadeiro cristão perder a salvação?
Como podemos saber se verdadeiramente nascemos de novo?

1. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

Em nossa discussão anterior tratamos de muitos aspectos da salvação plena que Cristo obteve para nós e que o Espírito agora aplica à nossa vida. Mas como sabemos que continuaremos a ser cristãos por toda a vida? Há algo que nos impede de abandonar Cristo, algo que nos garante que sempre haveremos de permanecer cristãos até que morramos e que de fato viveremos com Deus no céu para sempre? Ou poderá acontecer de chegarmos a nos separar de Cristo e de perdermos as bênçãos de nossa salvação? O tópico da perseverança dos santos responde a essas perguntas.A perseverança dos santos significa que todos os que verdadeiramente nasceram de novo serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o fim da vida, e que somente os que perseverarem até o fim verdadeiramente nasceram de novo.

Essa definição tem duas partes. Ela indica primeiro que há uma certeza concedida aos que verdadeiramente nasceram de novo, pois ela lhes recorda que o poder de Deus os guardará como cristãos até o dia em que vierem a morrer e que eles certamente viverão com Cristo no céu para sempre. Por outro lado, a segunda metade da definição deixa claro que a permanência na vida cristã é uma das evidências de que a pessoa verdadeiramente nasceu de novo. É importante registrar também esse aspecto da doutrina na mente, para que evitemos passar falsa segurança às pessoas que nunca foram realmente crentes.

Devemos observar que esse é um assunto sobre o qual os cristãos evangélicos vêm discordando há longo tempo. Muitos dentro da tradição arminiana/wesleyana sustentam que é possível alguns que verdadeiramente nasceram de novo virem a perder a salvação, ao passo que os cristãos reformados defendem que isso não é possível. A maioria dos batistas segue a tradição reformada nesse ponto; contudo, muitas vezes usam o termo segurança eterna ou segurança eterna do crente em vez do termo perseverança dos santos.
“A doutrina da perseverança dos santos é representada pela letra “p” no acróstico TULIP, que muitas vezes é usado para sintetizar os chamados “cinco pontos do calvinismo”

A. Todos os que verdadeiramente nasceram de novo perseverarão até o fim

Muitas passagens ensinam que os que verdadeiramente nasceram de novo, os genuinamente cristãos, continuarão na vida cristã até a morte e, a seguir, ficarão com Cristo no céu. Jesus diz: “Pois desci dos céus, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia. Porque a vontade de meu Pai é que todo aquele que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.38-40). Aqui Jesus diz que todo o que crê nele terá vida eterna. Diz que ressuscitará essa pessoa no último dia — o que, nesse contexto de crer no Filho e ter vida eterna, claramente significa que Jesus ressuscitará a pessoa para a vida eterna com ele (não apenas a ressuscitará para ser julgada e condenada). Parece difícil evitar a conclusão de que quem verdadeiramente crê em Cristo permanecerá cristão até o dia da ressurreição final com bênçãos de vida na presença de
Deus. Além disso, esse texto enfatiza que Jesus faz a vontade do Pai, que é não perder nenhum dos que o Pai lhe dera (Jo 6.39). Uma vez mais, os que foram dados ao Filho pelo Pai não se perderão.

Outra passagem que salienta essa verdade é João 10.27-29, na qual Jesus diz: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai”.

Aqui Jesus diz que os que o seguem, que são suas ovelhas, recebem vida eterna. Além disso, ele diz que “ninguém as poderá arrancar da minha mão” (v. 28). Ora, alguns têm argumentado que, mesmo que ninguém possa ser arrebatado da mão de Cristo, nós podemos escapar por nós mesmos das mãos de Cristo. Mas essa parece apenas uma disputa de palavras — a expressão “ninguém” não inclui também a pessoa que está nas mãos de Cristo? Além disso, sabemos que nosso coração está longe de ser digno de confiança. Portanto, se a possibilidade de nós próprios abandonarmos Cristo permanecesse, a passagem dificilmente daria a segurança que Jesus pretende transmitir nela.
Mais importante ainda, a frase mais vigorosa na passagem é “e elas jamais perecerão” (v. 28). A construção grega (ou mē mais o aoristo subjuntivo) é especialmente enfática e poderia ser traduzida mais explicitamente por: ”e eles com certeza não perecerão eternamente”. Isso enfatiza que os que são “ovelhas” de Jesus e o seguem, e a quem ele deu vida eterna, nunca perderão a salvação ou serão separados de Cristo — jamais “perecerão”.

Há muitas outras passagens que dizem que os que crêem têm “vida eterna”. Um exemplo é João 3.36: “Quem crê no Filho tem a vida eterna” (v. tb. Jo 5.24; 6.4-7; 10.28; 1Jo 5.13). Ora, se essa é verdadeiramente a vida eterna que os crentes possuem, então é a vida que dura para sempre com Deus. Ela é muitas vezes colocada em contraste com a condenação e com o juízo eterno (Jo 3.16,17,36; 10.28), e a ênfase nesse texto com o adjetivo eterna mostra adicionalmente que essa é a vida que dura para sempre na presença de Deus.

A evidência nos escritos de Paulo e em outras cartas do NT também indica que quem verdadeiramente nasceu de novo perseverará até o fim. Neles se ressalta igualmente que “agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Portanto, seria injusto Deus atribuir qualquer espécie de punição eterna aos que são cristãos — nenhuma condenação permanece para eles, pois a penalidade total de seus pecados já foi paga.
Então, em Romanos 8.30, Paulo enfatiza a conexão clara entre os propósitos eternos de Deus na predestinação e o desenvolvimento desses propósitos na vida, juntamente com a realização final desses propósitos em “glorificar” ou dar corpos ressuscitados a quem ele colocou em união com Cristo: “E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou”. Aqui Paulo vê o evento futuro da glorificação como uma certeza nos propósitos que Deus estabeleceu, de forma que ele pode falar sobre ele como se já houvesse se realizado (“também glorificou”). Isso é verdade a respeito de todos os que são chamados e justificados — ou seja, todos os que verdadeiramente se tornaram cristãos.
Evidência adicional de que Deus guarda os que nasceram de novo de modo seguro por toda a eternidade é o “selo” que Deus coloca sobre eles. Esse “selo” é o Espírito Santo dentro deles, que também atua como “garantia” de Deus de que receberemos a herança que nos foi prometida:
“Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória” (Ef 1.13,14). A palavra grega traduzida por “garantia” nessa passagem (arrabōn) é um termo legal e comercial que significa “primeiro pagamento, depósito, entrada, prestação inicial” e representa “um pagamento que obriga a parte contratante a fazer os pagamentos restantes”. Quando Deus enviou o Espírito Santo para habitar em nós, ele se comprometeu a dar todas as bênçãos restantes da vida eterna e uma grande recompensa no céu com ele. Essa é a razão por que Paulo pode dizer que o Espírito Santo é a “garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus” (Ef 1.14). Todos os que têm o Espírito Santo dentro de si, todos os que verdadeiramente nasceram de novo, têm a promessa imutável e a garantia de que a herança da vida eterna no céu certamente será deles. A própria fidelidade de Deus o obriga a fazer isso.

Pedro diz a seus leitores que eles estão “protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes a ser revelada no último tempo”(lPe 1.5).A palavra ”protegidos” (gr.,phroureō) pode significar tanto “guardados de escapar” quanto “protegidos de ataque”, e talvez esses dois significados estejam presentes aqui: Deus preserva os crentes de escaparem do seu Reino como os protege dos ataques externos. “Salvação” é usada aqui não em relação à justificação passada ou à santificação presente (falando em categorias teológicas), mas em referência à plena posse futura de todas as bênçãos de nossa redenção — ao cumprimento completo e final da salvação (cf. Rm 13.11; 1 Pe 2.2). Embora a salvação já esteja preparada ou pronta, ela não será “revelada” por Deus à raça humana em geral até o “último tempo”, o tempo do juízo final. Se essa proteção de Deus tem como propósito a preservação dos crentes até que recebam a plena salvação celestial, então é certo concluir que Deus cumprirá esse propósito e que eles, de fato, alcançarão a salvação final. Essa obtenção da salvação final em última instância depende do poder de Deus.
B. Somente os que perseverarem até o fim é que verdadeiramente nasceram de novo

Ao mesmo tempo em que a Escritura repetidamente enfatiza que quem verdadeiramente nasceu de novo perseverará até o fim e certamente terá a vida eterna no céu com Deus, há também outras passagens que falam sobre a necessidade de permanecer na fé no decorrer da vida. Elas nos fazem compreender que o que Pedro disse em lPedro 1.5 (“mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus“) é verdadeiro, a saber, que Deus não nos guarda independentemente de nossa fé nele. Desse modo, quem continua a confiar em Cristo recebe a segurança de que Deus opera nele e o guarda.
Um exemplo dessa espécie de passagem é João 8.31,32: “Disse Jesus aos judeus que haviam crido nele: ‘Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”’. Jesus está aqui advertindo que uma evidência da fé genuína é a permanência na sua Palavra, isto é, a contínua confiança no que ele diz e uma vida de obediência aos seus mandamentos. Semelhantemente, Jesus diz: “aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 10.22), como um meio de advertir as pessoas a não desistir nos tempos de perseguição.

Paulo diz aos cristãos de Colossos que Cristo os havia reconciliado com Deus “para apresentá-los diante dele santos, inculpáveis e livres de qualquer acusação, desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu” (Cl 1.22,23). É natural que Paulo e outros escritores do NT falem desse modo, pois embora estejam se dirigindo a grupos de pessoas que professam ser cristãs, não estão aptos a saber o real estado do coração das pessoas. Pode ser que houvesse pessoas em Colossos que se uniram na comunhão da igreja, professaram que tinham fé em Cristo e foram batizados na igreja, mas que nunca tiveram a verdadeira fé salvadora. Como Paulo distinguiria tais pessoas dos verdadeiros crentes? Como ele pode evitar dar-lhes a falsa segurança, a segurança de que eles serão salvos eternamente, quando na verdade eles não o serão, a menos que venham ao arrependimento e à fé? Paulo sabe que aqueles cuja fé não é real finalmente acabarão por abandonar a participação na comunhão da igreja. Portanto, ele diz a seus leitores que, em última análise, eles serão salvos se continuarem “alicerçados e firmes na fé” (Cl 1.23). Quem persevera mostra, desse modo, que é crente genuíno. Mas quem não persevera na fé demonstra que não houve nenhuma fé genuína em seu coração.
Ênfase similar é vista em Hebreus 3.14: “pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio”. Esse versículo proporciona uma perspectiva excelente da doutrina da perseverança. Como sabemos se passamos a ser participantes de Cristo? Como sabemos se essa união com Cristo realmente aconteceu em algum momento do passado? Um meio de sabermos que possuímos tal fé genuína em Cristo é se perseveramos com fé até o fim da vida.

Devemos nos lembrar de que há outras evidências em outras partes da Escritura que dão aos cristãos a segurança da salvação. Dessa forma, não devemos pensar que a segurança de que pertencemos a Cristo é impossível até que morramos. Contudo, a perseverança na fé é um meio de segurança que é mencionado aqui pelo autor de Hebreus. Além disso, nessa e em todas as outras passagens a respeito da necessidade de continuar na fé, o propósito nunca é deixar os que estão presentemente confiando em Cristo preocupados com o fato de que, em algum tempo, no futuro, possam cair. Nunca devemos usar essas passagens com tal intenção, pois seria criar uma causa injusta para preocupação de uma forma que a Escritura não pretende. Ao contrário, o propósito é sempre advertir os que estão pensando em abandonar a fé ou que já a abandonaram de que, se eles se portam assim, essa é uma forte indicação de que nunca foram salvos. Portanto, a necessidade de perseverar na fé deveria ser usada apenas como advertência contra abandonar a fé, advertência de que quem a abandona dão evidência de que sua fé nunca foi real.

C. Os que finalmente se afastam podem dar muitos sinais externos de conversão.

Sempre fica claro quais pessoas na igreja possuem a genuína fé salvadora e quais as possuem somente uma persuasão intelectual da verdade do evangelho, mas sem a genuína fé em seu coração? Nem sempre é fácil dizer isso, e a Escritura menciona em diversos lugares que descrentes em comunhão com a igreja visível podem apresentar alguns sinais externos ou indicações que os fazem parecer crentes genuínos. Por exemplo, Judas, que traiu Cristo, deve ter se comportado quase exatamente como os outros discípulos durante os três anos que esteve com Jesus. Tão convincente era a sua conformidade com a conduta padrão dos outros discípulos que, no fim dos três anos de ministério de Jesus, quando ele disse que um dos seus discípulos o haveria de trair, eles não suspeitaram de Judas, antes “começaram a dizer-lhe, um após outro: ‘Com certeza não sou eu, Senhor!”’ (Mt 26.22; cf. Mc 14.19; Lc 22.23; Jo 13.22). Contudo, Jesus sabia que não havia fé genuína no coração de Judas, porque ele disse a determinada altura: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de vocês é um diabo!” (Jo 6.70). João registrara anteriormente que “Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair” (Jo 6.64), mas os discípulos não sabiam disso.
Paulo também fala que “falsos irmãos infiltraram-se em nosso meio” (Gl 2.4) e diz que em suas jornadas estivera em “perigos dos falsos irmãos” (2Co 11.26). Também diz dos servos de Satanás: “não é surpresa que os seus servos finjam que são servos da justiça” (2Co 11.15). Isso não significa que todos os descrentes na igreja que dão alguns sinais de verdadeira conversão são servos de Satanás que estão secretamente minando a obra da igreja, porque alguns realmente podem estar no processo de considerar as afirmações do evangelho e se dirigir à fé real, outros podem ter ouvido a explicação do evangelho de modo inadequado, e outros podem não ter vindo ainda à genuína convicção do Espírito Santo. Mas as afirmações de Paulo realmente significam que alguns descrentes na igreja serão falsos irmãos enviados para romper a comunhão, enquanto outros simplesmente serão descrentes que finalmente poderão vir à fé salvífica. Em ambos os casos, contudo, eles apresentam diversos sinais externos que os fazem parecer crentes genuínos.

Podemos ver isso também na afirmação de Jesus a respeito do que vai acontecer no julgamento final: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” (Mt 7.21-23).
Embora essas pessoas tenham profetizado, expelido demônios e feito muitos milagres no nome de Jesus, a capacidade de fazer tais obras não era garantia de que fossem cristãos. Jesus diz: “Nunca os conheci”. Ele não diz: “Eu conheci vocês por um tempo, mas agora não os conheço mais”, ou “Eu conheci vocês por um tempo, mas vocês se extraviaram de mim”. Antes, ele diz: “Eu nunca conheci vocês”. Eles nunca haviam sido crentes genuínos.
Ensino semelhante é encontrado na parábola do semeador em Marcos 4. Jesus diz: “Parte dela caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotou, porque a terra não era profunda. Mas quando saiu o sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz” (Mc 4.5,6). Jesus explica que a semente semeada no solo pedregoso representa as pessoas que “ouvem a palavra e logo a recebem com alegria. Todavia, visto que não têm raiz em si mesmas, permanecem por pouco tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição por causa da palavra, logo a abandonam” (Mc 4.16,17). O fato de que elas “não têm raiz em si mesmas” indica que não há nenhuma fonte de vida dentro dessas plantas; semelhantemente, as pessoas representadas por elas não possuem vida genuína em seu interior. Elas possuem uma aparência de conversão e aparentemente se tornaram cristãs, porque recebem a palavra “com alegria”, mas, quando a dificuldade vem, elas não são encontradas — a conversão delas não era genuína e não havia sinal nenhum de fé salvadora em seu coração.

A importância de perseverar na fé é afirmada também na parábola de Jesus sobre a vinha, na qual os cristãos são retratados como ramos (Jo 15.1-7). Jesus diz: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto ainda. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados” (Jo 15. 1,2,6).
Os arminianos argumentam que os ramos que não dão fruto são ainda verdadeiros ramos da videira — Jesus se refere a “todo ramo que, estando em mim, não dá fruto” (v. 2). Portanto, os ramos que são juntados, lançados no fogo e queimados devem se referir a verdadeiros crentes que em determinado tempo foram parte da videira, mas caíram e se tornaram sujeitos ao juízo eterno. Mas essa não é a implicação necessária do ensino de Jesus nesse ponto.A figura da videira usada nessa parábola é limitada na quantidade de detalhes que ensina. De fato, se Jesus tivesse querido ensinar que havia verdadeiros e falsos crentes associados com ele, então o único modo pelo qual ele poderia referir-se às pessoas que não possuíam vida genuína em si mesmas seria falar dos ramos que não davam fruto (logo após a analogia das sementes que caíram em solo pedregoso e não tinham “raiz em si mesmas”, em Mc 4.17). Aqui em João l5 os ramos que não dão fruto, embora estejam de algum modo relacionados com Jesus e tenham a aparência exterior de serem ramos genuínos, indicam seu verdadeiro estado pelo fato de que não produzem fruto. Isso é demonstrado de forma semelhante pelo fato de que, se uma pessoa “não permanecer” em Cristo (Jo 15.6), é cortada como um ramo e se seca. Se tentarmos pressionar a analogia para além disso, dizendo, por exemplo, que todos os ramos da videira são realmente vivos ou não estariam lá, então estamos simplesmente tentando forçar a figura a ir além do que ela é capaz de ensinar — e nesse caso não haveria nada na analogia que pudesse representar os falsos crentes. O ponto afirmado pela figura é simplesmente que os que produzem fruto desse modo dão evidência de que permanecem em Cristo; os que não produzem fruto, não estão permanecem nele.
Finalmente, há duas passagens em Hebreus que também afirmam que os que acabam caindo podem dar muitos sinais externos de conversão e podem parecer de muitas maneiras iguais aos cristãos. O primeiro deles, Hebreus 6.4-6, é muito usado pelos arminianos como prova de que crentes podem perder a salvação. Mas a análise mais criteriosa mostra que tal interpretação não é convincente. O autor escreve: “Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública” (Hb 6.4-6).
Neste momento podemos perguntar que espécie de pessoa é descrita por todos esses termos. Esse texto descreve alguém que genuinamente nasceu de novo? Tratavam-se sem dúvida de pessoas que estavam associadas intimamente com a comunhão da igreja. Haviam tido alguma espécie de tristeza pelo pecado (arrependimento). Haviam entendido claramente o evangelho (haviam sido iluminadas). Chegaram a apreciar o encanto da vida cristã e a mudança que acontece na vida das pessoas pelo fato de se tornarem cristãs, provavelmente obtiveram respostas de oração e sentiram o poder do Espírito Santo em operação, talvez até usando alguns dons espirituais do mesmo modo que os descrentes em Mateus 7.22 (haviam se associado à obra do Espírito Santo ou tinham se tornado “participantes” do Espírito, e tinham provado o dom celestial e os poderes vindouros). Elas haviam sido expostas à verdadeira pregação da Palavra e tinham aprovado muito dos seus ensinos (elas provaram a boa Palavra de Deus).
Mas, a despeito de tudo isso, se elas “caíram” em apostasia, “crucificando de novo o Filho de Deus” para si mesmas (Hb 6.6), então elas estão deliberadamente rejeitando todas essas bênçãos e se voltando decididamente contra elas. O autor nos diz que, se isso ocorre, será impossível restaurar essas pessoas novamente a qualquer espécie de arrependimento ou tristeza pelo pecado. O seu coração será endurecido e sua consciência, amortecida. A familiaridade repetida que elas tiveram com as coisas de Deus e sua experiência da influência do Espírito Santo em diversas ocasiões simplesmente serviram para endurecê-las para a verdadeira conversão.
É claro que houve alguns na comunidade aos quais essa carta foi escrita que estavam em perigo de cair da mesma maneira (v. Hb 2.3; 3.8,12,14,15; 4.1,7,11; 10.26,29,35,36,38,39; 12.3,15-17). O autor quer adverti-los de que, embora tenham participado da comunhão da igreja e experimentado muitas das bênçãos de Deus em sua vida, se caírem após tudo isso, não há salvação para eles. Ele quer usar a linguagem mais forte possível para dizer: “Neste caso, não importa o quanto uma pessoa experimente bênçãos temporárias, ela ainda não foi realmente salva”. Ele os está advertindo a serem cuidadosos, porque depender das bênçãos e experiências temporárias não é suficiente. Isso não quer dizer que ele pensa que os verdadeiros cristãos poderiam cair — [Para a discussão muito mais abrangente dessa passagem, v. Perseverance of the saints: a case study from Hebrews 6.4-6 and the other warning passages in Hebrews, de Wayne Grudem. In: Thomas Schreiner & Bruce Ware, orgs. The grace of God e the bondage ofthe will (Grand Rapids: Baker, 1995), 1:133-82.]

Hebreus 3.14 sugere exatamente o oposto. Antes ele quer dar-lhes a certeza da salvação por meio da perseverança na fé e dessa forma subentende que, se eles caírem, isso demonstrará que eles nunca foram realmente povo de Deus.

Por essa razão, imediatamente ele passa dessa descrição dos que cometem apostasia para uma analogia posterior que mostra que essas pessoas que caem nunca tiveram qualquer fruto genuíno em suas vidas. Os versículos 7 e 8 falam dessas mesmas pessoas em termos de “espinhos” e “ervas daninhas”, uma espécie de colheita que é produzida na terra que não tem vida que valha a pena em si mesma, muito embora receba repetidamente bênçãos de Deus (em termos da analogia, embora chova freqüentemente sobre ela). Devemos observar aqui que as pessoas que cometem apostasia não são comparadas a um campo que uma vez produziu bom fruto e que agora não produz, mas que são iguais à terra que nunca produziu bom fruto, mas somente espinhos e ervas daninhas. A terra pode parecer boa antes da colheita começar a aparecer, mas o fruto dá a evidência genuína, e ele é mau.
Forte apoio para essa interpretação de Hebreus 6.4-8 é encontrado no versículo imediatamente seguinte. Embora o autor tenha falado muito a respeito da possibilidade de cair, ele a seguir volta a falar sobre a situação da grande maioria de ouvintes que ele pensa que são cristãos genuínos. Ele diz: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira” (Hb 6.9, RA). Mas a questão é: Essas “coisas que são melhores” são melhores do que quais outras? As “coisas melhores” no plural formam um contraste apropriado às “coisas boas” que haviam sido mencionadas nos versículos 4-6; o autor está convencido de que a maioria de seus leitores experimentou as coisas que são melhores do que simplesmente as influências parciais e temporárias do Espírito Santo e da igreja mencionadas nos versículos 4-6.
De fato, o autor fala a respeito dessas coisas por dizer (literalmente) que elas são “coisas que são melhores e pertencentes à salvação” (gr., kai echomena sōtērias): Essas não são somente as bênçãos temporárias mencionadas nos versículos 4-6, mas são coisas melhores, que não têm apenas influência temporária, mas são “pertencentes à salvação”. Desse modo, a palavra grega kai, “e”, mostra que a salvação é algo que não fazia parte dos itens mencionados nos versículos 4-6. Portanto, a palavra kai — que é traduzida explicitamente na RA, na ECA e na ARC
— proporciona uma chave crucial para o entendimento da passagem. Se o autor quisesse dizer que as pessoas mencionadas nos versículos 4-6 eram verdadeiramente salvas, seria muito difícil entender por que ele diria no versículo 9 que está convencido de que há coisas melhores para eles e pertencentes à salvação. Essas coisas incluem a ”salvação” como um item adicional às coisas mencionadas anteriormente. Ele mostra, portanto, que pode dizer em uma frase breve que as pessoas “têm salvação”, caso queira (ele não precisa utilizar muitas frases), e, além disso, que as pessoas de quem ele fala nos versículos 4-6 não são salvas.
Quais são exatamente essas “coisas melhores?”. Em acréscimo à salvação mencionada no versículo 9, tratam-se de coisas que dão evidência real da salvação — um fruto genuíno na vida deles (v. 10), plena certeza de esperança (v. 11) e fé salvadora,do tipo mostrado por quem herda as promessas (v. 12). Desse modo, ele fortalece a certeza dos que são crentes genuínos — os que demonstram fruto em sua vida e amor por outros cristãos, que revelam esperança e fé genuína que persevera no tempo presente, que não abandonam o caminho. Ele quer dar segurança a esses leitores (que certamente são a grande maioria daqueles a quem escreve) ao mesmo tempo que lança uma forte advertência contra os que podem estar em perigo de apostasia.

Um ensino semelhante é encontrado em Hebreus 10.26-31. Ali o autor diz: “Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (v. 26). Alguém que rejeita a salvação de Cristo e ”profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi santificado” (v. 29) merece a punição eterna. Essa é novamente uma forte advertência contra a apostasia, mas não deveria ser tomada como prova de que alguém que verdadeiramente nasceu de novo possa perder a salvação. Quando o autor fala a respeito do sangue do pacto “pelo qual ele foi santificado”, a palavra santificado é usada simplesmente para referir-se à “santificação externa, igual à dos antigos israelitas, pela ligação exterior com o povo de Deus”. A passagem não fala a respeito de alguém que é genuinamente salvo, mas de alguém que recebeu certa influência moral benéfica por meio do contato com a igreja.

D. O que pode dar ao crente segurança genuína?

Se é verdade, como foi explicado na seção anterior, que os descrentes que finalmente deixarão a fé podem apresentar muitos sinais externos de conversão, então o que poderá servir de evidência da conversão genuína? O que pode dar segurança real ao verdadeiro crente? Podemos citar três categorias de perguntas que uma pessoa pode fazer a respeito de si mesma.

1. Posso ter no presente confiança em Cristo para ser salvo?

Paulo diz aos colossenses que eles seriam salvos no último dia, se continuassem “alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que […] ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu” (Cl 1.23). Além de dizer que “passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio” (Hb 3.14), o autor de Hebreus encoraja seus leitores a serem imitadores dos que “por meio da fé e da paciência, recebem a herança prometida” (Hb 6.12). De fato, o versículo mais famoso da Bíblia inteira usa o verbo no tempo presente, que pode ser traduzido por “para que todo aquele que continua crendo nele possa ter vida eterna” (Jo 3.16).

Portanto, cada um deveria perguntar a si mesmo: “Tenho hoje confiança em Cristo de que ele perdoou os meus pecados e que vai me levar inculpável para o céu para sempre? Tenho confiança em meu coração de que ele me salvou? Se eu morresse hoje à noite e comparecesse diante de Deus e ele me perguntasse a razão pela qual deveria me deixar entrar no céu, será que eu começaria a pensar a respeito de minhas boas ações e depender delas, ou sem hesitação diria que sou dependente dos méritos de Cristo e confio que ele é o Salvador suficiente?”.

Essa ênfase sobre a fé em Cristo no presente permanece em contraste com a prática de alguns “testemunhos” de igreja nos quais as pessoas repetidamente recitam detalhes de uma experiência de conversão acontecida mais de vinte ou trinta anos atrás. Se um testemunho de fé salvadora é genuíno, ele deve ser um testemunho de fé que é ativo no dia de hoje.

2. Há evidência da obra regeneradora do Espírito Santo em meu coração?

A evidência da obra do Espírito Santo em nosso coração vem de muitas formas diferentes. Embora não devamos colocar nossa confiança na demonstração de obras miraculosas (Mt 7.22) ou de longas horas e anos de trabalho em alguma igreja local (que pode simplesmente ser uma construção como madeira, feno ou palha “nos termos de lCo 3.12 para promover o poder ou o próprio ego ou tentar ganhar mérito com Deus), há muitas outras evidências de obra real do Espírito Santo no coração de uma pessoa.

Primeiro, há o testemunho subjetivo do Espírito Santo no nosso coração testificando que somos filhos de Deus (Rm 8.15,16; lJo 4.13). Esse testemunho regularmente será acompanhado pela percepção de ser conduzido pelo Espírito Santo nos caminhos da obediência à vontade de Deus (Rm 8.14).
Além disso, se o Espírito Santo está trabalhando genuinamente em nossa vida, ele haverá de produzir uma espécie de características de caráter que Paulo chama ”fruto do Espírito” (Gl 5.22). Ele menciona diversas atitudes ou características do caráter que são produzidas pelo Espírito Santo: “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22,23). Obviamente, a questão não é: “Exemplifico perfeitamente todas essas características em minha vida?”, e sim: “Essas coisas são características gerais de minha vida? Sinto essas atitudes em meu coração? Outras pessoas (especialmente as que estão mais próximas de mim) vêem essas características em minha vida? Elas têm se desenvolvido em minha vida nos últimos anos?”. Não há qualquer indício no NT de que qualquer pessoa não-regenerada ou não-cristã possa convincentemente fingir essas características de caráter, especialmente para os que a conhecem bem de perto.
Relacionada a essa espécie de fruto, há ainda outra: os resultados da vida e do ministério de uma pessoa segundo sua influência sobre outros e sobre a igreja. Há pessoas que professam ser cristãs, mas cuja influência sobre outros é para desencorajá-los, deprimi-los, trazer dano à sua fé e provocar controvérsias e divisões. O resultado da vida e do ministério dessas pessoas não é edificar os outros e a igreja, mas derrubar ou destruir. Em contraposição, há os que parecem edificar outras pessoas em cada conversa, em cada oração e em cada obra de ministério na qual colocam as mãos. Jesus disse, em relação aos falsos profetas: “Vocês os reconhecerão por seus frutos. […] Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins. […] Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!” (Mt 7.16,17,20).

Outra evidência da obra do Espírito Santo é a perseverança na fé e a aceitação do ensino sadio na igreja. Os que começam a negar as principais doutrinas da fé dão sérias indicações negativas a respeito de sua salvação: “Todo o que nega o Filho também não tem o Pai […] Quanto a vocês, cuidem para que aquilo que ouviram desde o princípio permaneça em vocês. Se o que ouviram desde o princípio permanecer em vocês, vocês também permanecerão no Filho e no Pai” (1 Jo 2.23,24). João também diz: “Nós viemos de Deus, e todo aquele que conhece a Deus nos ouve” (lJo 4.6). Já que os escritos do NT são a autoridade que substitui a presença de apóstolos como João, podemos também dizer que quem quer que conheça a Deus continuará a ler e a se deleitar na Palavra de Deus, e continuará a crer nela plenamente. Os que não crêem e não têm prazer na Palavra de Deus dão evidência de que não são “de Deus”.

Outra evidência da salvação genuína é um relacionamento contínuo no presente com Jesus Cristo. Jesus diz: “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês”, e”Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido” (Jo 15.4,7). Essa permanência em Cristo incluirá não somente a confiança diária nele em várias situações, mas com certeza também a comunhão regular com ele na oração e na adoração. Essa permanência também incluirá obediência aos mandamentos de Deus. João diz:
“Aquele que diz: ‘Eu o conheço’, mas não obedece aos seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. Mas, se alguém obedece à sua palavra, nele verdadeiramente o amor de Deus está aperfeiçoado. Desta forma sabemos que estamos nele: aquele que afirma que permanece nele, deve andar como ele andou” (lJo 2.4-6). Uma vida perfeita não é necessária, naturalmente. João antes está dizendo que em geral nossa vida deve ser de imitação de Cristo e de semelhança a ele naquilo que fazemos e dizemos. Se temos a genuína fé salvadora, haverá resultados claros de obediência em nossa vida (v.tb. lJo 3.9,10,24; 5.18).

3. Consigo ver o padrão de crescimento constante em minha vida cristã?

As primeiras duas áreas de certeza lidam com a fé atual e a evidência atual da obra do Espírito Santo em nossa vida. Mas Pedro nos dá mais uma espécie de teste que podemos usar para perguntar se somos genuinamente crentes. Ele nos diz que há algumas características de caráter que, se continuamos a crescer nelas, garantirão que nós “jamais” tropeçaremos (2Pe 1.10). Ele diz aos seus leitores para se empenharem “para acrescentar à sua fé a virtude […] o conhecimento […] o domínio próprio […] a perseverança […] a piedade […] a fraternidade […] o amor” (2Pe 1.5-7). A seguir ele diz que essas coisas devem pertencer aos seus leitores e estar continuamente crescendo na vidas deles (2Pe 1.8). Acrescenta que eles devem se empenhar “em consolidar o chamado e a eleição”, e então continua: “pois se agirem dessa forma [referindo-se à prática das características mencionadas nos versículos 5-7], jamais tropeçarão” (2Pe 1.10).
O modo pelo qual confirmamos nossa vocação e eleição, então, é continuar a crescer nesse processo. Isso sugere que a certeza de salvação pode ser algo que aumenta com o tempo em nossa vida. Cada ano que acrescentamos essas características em nossa vida, ganhamos segurança cada vez maior de nossa salvação. Assim, embora crentes novos na fé possam ter uma confiança muito firme em sua salvação, essa segurança pode aumentar em certeza ainda mais profunda com o passar dos anos, à medida que eles caminham para a maturidade cristã. Se continuam a acrescentar essas coisas, confirmarão a sua vocação e eleição, e “jamais tropeçarão”.

O resultado dessas três perguntas que podemos fazer a nós próprios deveria dar uma forte certeza para os que são genuinamente crentes. Desse modo, a doutrina da perseverança dos santos será uma doutrina tremendamente confortadora. Ninguém que tenha tal certeza deveria perguntar: “Serei capaz de perseverar até o fim da minha vida e, portanto, ser salvo?”. Cada pessoa que ganha segurança por meio desse auto-exame deveria antes pensar: “Eu verdadeiramente nasci de novo,portanto certamente perseverarei até o fim, porque estou sendo guardado ‘pelo poder de Deus’ operando por meio de minha fé (cf. IPe 1.5) e, portanto, eu nunca me perderei. Jesus vai me ressuscitar no último dia e eu vou entrar no seu Reino para sempre” (cfJo 6.40).
Por outro lado, a doutrina da perseverança dos santos, se corretamente entendida, deve causar preocupação genuína, e até mesmo temor, no coração de qualquer um que esteja “apostatando” ou se desviando de Cristo. Tais pessoas devem ser claramente advertidas de que somente quem persevera até o fim é que verdadeiramente nasceu de novo. Se elas se afastam de sua profissão de fé em Cristo e de uma vida de obediência a ele, elas podem realmente não ser salvas — de fato, a evidência que elas estão dando é de que não são salvas e nunca realmente foram salvas. Uma vez que parem de confiar em Cristo e de obedecer-lhe, elas não têm nenhuma certeza genuína de salvação, e devem considerar-se não-salvas, voltando-se para Cristo em arrependimento e pedindo-lhe perdão pelos pecados.

Neste momento, em termos de cuidado pastoral com os que se afastaram de sua profissão de fé em Cristo, devemos perceber que calvinistas e arminianos (os que crêem na perseverança dos santos e os que pensam que os cristãos podem perder a salvação) iriam aconselhar um “apóstata” do mesmo modo. Conforme o arminiano, esse indivíduo foi cristão durante certo tempo, mas agora não é mais. Conforme o calvinista, tal pessoa nunca foi realmente cristã e ainda não é. Mas em ambos os casos o conselho bíblico dado seria o mesmo: “Você não parece ser cristão agora —você deve se arrepender de seus pecados e confiar em Cristo para ser salvo”. Embora o calvinista e o arminiano discordem sobre a interpretação da história anterior dessa pessoa, hão de concordar sobre o que deve ser feito no presente.
Porém vemos aqui por que o termo segurança eterna, quando usado impropriamente, pode ser muito enganoso. Em algumas igrejas evangélicas, em vez de ensinarem a apresentação equilibrada e total da doutrina da perseverança dos santos, alguns pastores freqüentemente ensinam uma versão diluída dela, que de fato diz às pessoas que todos os que fizeram uma profissão de fé e foram batizados estão “eternamente seguros”. O resultado é que algumas que realmente não são genuinamente convertidas podem “ir à frente” no final de uma reunião evangelística para professar a fé em Cristo e serem batizadas pouco tempo depois, mas acabam deixando a comunhão da igreja e vivendo de modo que não é diferente da que tiveram antes de ganhar essa “segurança eterna”. Desse modo, uma falsa segurança é dada a essas pessoas, e elas estão sendo cruelmente enganadas por pensarem que estão indo para o céu quando, de fato, não estão.

Wayne Grudem

Fonte: Teologia Sistemática do Autor; Ed. Vida Nova. Compre este livro em http://www.vidanova.com.br


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